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A maldição da canoa fantasma

Um conto de Bernardo Fellipe Seixas

Em Florianópolis, um enigma flutua nas águas da Barra da Lagoa. Há sessenta anos, três pescadores desapareceram numa noite de vento sul impiedoso. Desde então, a canoa em que partiram é vista por moradores nas noites de lua crescente.

A história remonta a 25 de maio de 1964, quando Genésio, José e Bernardino saíram para pescar, por volta das sete horas da noite, e nunca mais foram vistos. A embarcação, construída a partir do tronco de um guapuruvu, foi encontrada encalhada nas pedras da Prainha com marcas estranhas no casco e um vestido de mulher debaixo do banco da popa. Dizem os antigos pescadores que, após dois meses do incidente, numa noite de lua cheia, a canoa foi enterrada nas areias da Praia da Barra.

Os avistamentos da canoa nas noites de lua crescente são frequentes, e envolvem crianças, jovens e adultos. Os relatos sempre tinham alguma coisa parecida; avistam a canoa envolta em névoa deslizando silenciosa pelo canal da Barra ou margeando a Prainha e as piscinas naturais. Alguns enxergam os pescadores nela, com rostos pálidos e olhos opacos. Quem a vê sente uma paralisia inexplicável, até que a visão desapareça.

Os mais velhos contam a história com respeito e medo. Dizem que os pescadores estão presos em uma outra dimensão, repetindo sua última viagem todos os dias. Alguns acreditam que eles abandonaram suas famílias e foram viver em outro canto.

Um jovem curioso e incrédulo, Marco decidiu confrontar a lenda. Com uma potente câmera fotográfica, escondeu-se nas rochas do canto esquerdo da Prainha, esperando a canoa fantasma. Quando a lua cresceu, a maresia se intensificou. Marco sentiu um frio súbito e viu a canoa emergir do sul, devagar, com três vultos.

Ele levantou a câmera, mas suas mãos tremiam e suavam, apesar da temperatura não passar dos 15 graus. A canoa se aproximava, e ele conseguiu ver os rostos dos pescadores, inexpressivos, vazios e cheios de dor. Os olhos de Genésio pareciam fixos nos dele, implorando por algo incompreensível.

De repente a névoa se adensou, o vento parou e um sussurro encheu o ar. O único poste de luz da Prainha, localizado em frente ao rancho dos pescadores, se apagou, e Marco sentiu uma força puxando-o para a água. Com esforço, conseguiu se libertar, e correu em desespero para as vielas da comunidade, com a câmera nas mãos.

Ao verificar as imagens, viu apenas a névoa, nada da canoa ou dos pescadores. Os anciãos, ao ouvirem sua história, balançaram a cabeça, temerosos. A canoa fantasma continuaria a aparecer, lembrando das almas perdidas e do mistério das águas.

Desde aquela noite, Marco nunca mais duvidou das histórias dos anciãos. Contudo, o que ele não revelou foi o segredo que descobriu: ao olhar mais atentamente uma das fotos, percebeu uma inscrição quase invisível na névoa, em uma língua antiga. Decifrou-a com dificuldade, e nela estava escrito: “Eternamente navegamos, até que um coração puro nos liberte.”

Assim, a lenda da canoa fantasma persiste. aguardando o escolhido que possa finalmente quebrar o ciclo e trazer paz às almas dos pescadores perdidos.

 

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