Imagem gerada por inteligência artificial.
Crônica de Bernardo Fellipe Seixas
A noite caía na Lagoa da Conceição como um véu escuro, contrastando com o balé dos grãos de areia que vêm das dunas e atravessam a Rendeiras, antes de se banharem.
Entre as mesas de plástico rangentes do Bar do João, postadas à beira da água, se encontram João Maurício, dono do estabelecimento, 60 anos, e Mauro Oliveira, 58 anos, médico. Em comum eles tem Cíntia, uma ex-namorada da década de 1980, casada com João há três décadas. E só.
– João, meu caro, você precisa aceitar que o nudismo é uma forma legítima de liberdade individual! — argumenta Mauro, com um sorriso desafiador, acendendo a polêmica sobre uma possível proibição dos “pelados” na Praia da Galheta.
– Liberdade individual? Isso é um ultraje! — João retruca. — Uma afronta aos bons costumes, à moral e aos valores que nós, homens de bem, defendemos!
O debate incendeia o local. Enquanto João e Mauro trocam acaloradas palavras, outros clientes se envolvem na discussão. Um jovem casal, defensor do nudismo, expressa sua visão, enquanto uma senhora, com um pequeno cachorro no colo, balança a cabeça em desaprovação.
– Mas que diabos de liberdade é essa? Aquilo é só sacanagem— exclama João, apontando para os outros frequentadores do bar. — Olha só o exemplo que você está dando para esses jovens!
Mauro, impassível, responde: — João, o mundo está mudando. Temos que aceitar e respeitar as escolhas individuais, mesmo que não concordemos com elas. Os naturistas frequentam a Galheta desde que tínhamos acabado de virar adultos.
A discussão se intensifica, as vozes se sobrepõem umas às outras, criando um tumulto sonoro que parece ameaçar a própria estrutura do bar. Querido pelos clientes, o garçom tenta acalmar os ânimos, sem sucesso, e toma uma bronca do patrão. – Você não tem que dar opinião, ninguém te chamou!
Em meio ao caos, algo surpreendente acontece. Um repentino apagão mergulha o bar e todo o entorno numa escuridão total, interrompendo bruscamente o debate. O silêncio momentâneo é seguido por murmúrios nervosos e exclamações de surpresa.
No breu do ambiente, com o som das pequenas ondas da Lagoa, as vozes de João e Mauro se aquietam. Em um instante de suspensão, eles se encaram, percebendo a futilidade de sua briga diante da imprevisibilidade da vida.
Quando as luzes finalmente retornam, os dois homens, levantam seus copos em um brinde silencioso, selando uma trégua temporária em meio à escuridão. A brisa ameniza a temperatura daquela quente noite de verão, o debate pode até ter sido interrompido pela falha de energia, mas a lição de que a vida é imprevisível e efêmera permaneceu como um eco no ar.
- Nota: O nudismo na Praia da Galheta é praticado desde o final da década de 1970.